Esta pracinha sem aquela pelada virou uma chatice : agora , é uma babá que passa , empurrando, sem afeto , um carrinho de bebê , é um par de velhos que troca silêncios num banco sem encosto .
E, no entanto , ainda ontem , isso aqui fervia de menino , de sol , de bola , de sonho : “eu jogo na linha ! eu sou o Lula !; no gol , eu não jogo , tô com o joelho ralado de ontem ; vou ficar aqui atrás : entrou aqui , já sabe”. Uma gritaria , todo mundo se escalando, todo mundo querendo tirar o selo da bola , bendito fruto de uma suada vaquinha .
No entanto , aí está ela , correndo para cima e para baixo , na maior farra do mundo , disputada, maltratada até , pois , de quando em quando , acertam-lhe um bico , ela sai zarolha , vendo estrelas , coitadinha.
Entra na praça batendo palmas como quem enxota galinha no quintal . É um velho com cara de guarda-livros que , sem pedir licença , invade o universo infantil de uma pelada e vai expulsando todo mundo . Num instante , o campo está vazio , o mundo está vazio . Não deu tempo nem de desfazer as traves feitas de camisas .
O espantalho-gente pega a bola , viva , ainda , tira do bolso um canivete e dá-lhe a primeira espetada . No segundo golpe , a bola começa a sangrar .
ARMANDO NOGUEIRA . Bola na rede . Rio de Janeiro : José Olympio, s. d..
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